
Num ímpeto brusco, que o despegou do corpo dela, rolou e parou deitado ao lado, com a mão esquerda estendida por cima dos cabelos soltos dela, que roçava, e a mão direita pousada entre os dois seios, sentindo, menos que o coração batendo, a tremura ténue que a ficara percorrendo. De olhos fechados, ela trouxe as mãos sobre a dele, segurando-a, sem força, contra o peito. Então, a mão, sob as outras, deslizou um pouco e, entre o polegar e os dedos estendidos, tomou a curva da inserção do seio, que, com um jeito oscilante do pulso, ia contornando cariciosamente. As mãos dela apertaram a sua, e ela, descaindo a cabeça, fitou-o.
Olhou-o docemente, num olhar húmido e quebrado em que as feições dele evoluíam incertas, ao sabor das sombras e do encantamento que ainda perdurava nela, e tomando aspectos diversos, ora confundidos, ora sucessivos, em que havia traços dos retratos dele em criança e em adolescente, quando o não conhecera, e recordações de ângulos em que surpreendera a cabeça dele e lhe haviam ficado pela sobressaliência, que destacara então, de um pormenor qualquer, uma comissura dos lábios, um recanto de pálpebra, uma nódoa da barba, um delicado contorno da orelha.
(...)
A mão, espalmando-se no peito, esfregou os pêlos ao arrepio deles, que não eram crespos, mas, salvo num ou noutro redemoinho, dirigidos no sentido do ventre, a cujo umbigo pareciam apontar. Senti-los assim correr na sua palma revirados, e poder repô-los depois com repetida carícia, era uma forma de exorcismo, uma maneira de afugentar a apreensão que a pele dele, atraindo-a, lhe causava. Foi descendo depois com a mão, prolongando pelo tronco abaixo as carícias com que repunha os pêlos. Numa aspiração entrecortada e dupla, como um indistinto soluço, ele suspirou.
Então, a mão ficou retida no umbigo. E os olhos perscrutaram o rosto dele, que continuava imóvel, pálpebras cerradas, sobrancelhas soerguidas, boca ligeiramente entreaberta. Só o nariz parecia palpitar. A mão levantou-se e pairou hesitante: pousaria quieta, afagaria um pouco, regressaria, avançaria, ou retirar-se-ia?
Embora conhecesse por experiência as reacções que a tudo, diversas, ele poderia ter, não sabia, na solidão que começava a invadi-la, qual das reacções preferia, para estilhaçar-lhe o vidro que se interporia nela, entre o ardor sequioso, latejando no pescoço e no ventre, e a coragem de provocar um gesto decisivo que poderia ofendê-la, ou humilhá-la, ou magoá-la mesmo, ou dominá-la apenas.
A mão pousou, porque ela sentiu que não desejava nada; e, porque, repentinamente, uma imensa tranquilidade grata era o que latejava afinal em compassado ardor, a mão foi avançando e penetrou os dedos na massa crespa em que o enleou. O cotovelo afrouxou, dormente, no que o corpo se apoiava. E a cabeça, descaindo para a frente, pousou suavemente, acomodando-se, no peito dele.
Entre ambos ficou o braço dele, que ela sentiu esgueirar-se e envolvê-la depois, sem a tocar, de que ficou esperando, contraída e desagradada, que ele fizesse o que fez, percorrer-lhe com as pontas dos dedos a espinha até às ancas, onde a mão se espalmou, aberta, para apertar-lhe logo com força a carne. Então a mão dela avançou mais, roçou com as costas ao longo do sexo, que deu um lento salto, mergulhou nas virilhas, e demorou-se sentindo, nas costas, os movimentos interiores, ora lentos, ora súbitos, dos testículos.
Repentinamente, a mão que, apertada a carne das ancas, ficara pousada e como lá esquecida, levantou-se e, agarrando-a no pescoço, por detrás, fê-la levantar-se e cair deitada, enquanto o tronco e o outro braço vinham sobre ela, e os dentes a mordiam no lábio inferior com uma violência que tentou repelir. Mas logo a sua própria língua lhe embateu nos dentes, que descerrou para que ela viesse encostar-se à outra que, abrindo-lhe os lábios, a buscava.
Jorge de Sena, excerto do conto "Os Amantes" inserto na antologia Antigas e Novas Andanças do Demónio, Edições 70, 1981, p. 201.
Sem comentários:
Enviar um comentário