quinta-feira, fevereiro 23, 2006

James Ellroy


Em 1958, EI Monte era o grande chamariz do vale. Os primeiros colonos chamaram-lhe «o Fim da Rota de Santa Fé». Era uma cidade mexida e um bom sítio de diversões. Os colonos recentes chamavam-lhe «a Cidade das Divorciadas». Um sítio pitoresco, uma cidade de província típica do Oeste.

A população era de cerca de 10 000 habitantes, 90 % brancos e 10 % mexicanos. A cidade tinha cinco milhas quadradas e fazia fronteira com os baldios do condado.

A população aumentava nas noites de sábado. Gente de fora acorria a espreitar os bares de Valley e Garvey. O clube do EI Monte Legion apresentava o Cliffie Stone e bandas de província ­transmitidos ao vivo num canal de TV.

A assistência vestia-se à cowboy: homens de calças justas e chapéus de feltro de abas largas, mulheres de saias armadas e engomadas. O clube organizava bailaricos nos sábados em que o Cliffie fazia folga. Pachucos e punks brancos esmurravam-se regularmente no parque de estacionamento.

A auto-estrada de San Berdoo passava por EI Monte. Os motoristas desviavam para a Valley Boulevard em direcção a leste. Paravam para comer no Stan's Drive-In e no Hula-Hut. Paravam para beber no De­sert Inn, no Playroom e no Horseshoe. Valley era o sítio de paragem obrigatório de sábado à noite. Os motoristas que seguiam para leste acabavam por se demorar por lá, quer tencionassem, quer não.

A acção terminava em Five Points - o cruzamento entre Valley e Garvey. O Stan's e o Playroom usufruíam de uma localização privilegiada na esquina nordeste. O Crawford's Giant Country Market ficava do outro lado da rua. Uma dúzia de restaurantes e tabernas aglomeravam-se junto do cruzamento.

A zona residencial de EI Monte ficava a norte, a sul e a oeste. As casas eram pequenas e dividiam-se em duas modalidades: imitação de rancho e cubo caiado de branco. Os mexicanos estavam isolados numa zona chamada Medina Court e num bairro de lata chamado Hicks Camp.

Medina Court estendia-se por três quarteirões de casas feitas de cimento e bocados de madeira recolhidos no lixo. Hicks Camp ficava logo do outro lado dos carris da Pacific-Electric e apresen­tava casas com chãos de terra e madeira arrancada a vagões antigos.

O filme Carmen Jones foi rodado em Hicks Camp em 1954. Uma favela mexicana passou por uma favela de negros das planta­ções. Os cenógrafos não tiveram de alterar um único pormenor.

Os bêbedos e drogados pululavam em Medina Court e Hicks Camp. Um modo de homicídio predilecto em Hicks Camp era embebedar a vítima e deitá-la sobre os carris para que um comboio de mercadorias a decapitasse.

O Departamento da Polícia de EI Monte comandava os carros­-patrulha e investigava todos os crimes que não envolvessem homicídios. A lista do pessoal era de vinte e seis polícias, uma guarda prisional e um controlador de parquímetros. O Departamento tinha uma reputação relativamente limpa. Os comerciantes locais abona­vam os rapazes de produtos alimentares e licor. Os polícias de EI Monte iam sempre às compras de uniforme.

Os homens faziam as rondas sozinhos no carro. O ambiente de trabalho era amistoso - capitães e tenentes bebiam com simples bestas matarroanas. A Polícia era uma profissão de alternativas ­podia-se ajudar as pessoas, ou espancar os imigrantes mexicanos ilegais, ou engatar as meninas, de acordo com as tendências de cada qual.

Os rapazes usavam uniformes de caqui e conduziam viaturas de serviço Ford de 1956. Apreendiam carros, que negocia­vam com os representantes locais, e armavam zaragata com os Serviços do Xerife por dá cá aquela palha. Metade dos homens alistava-se num sistema de clientelismo. Metade entrava pelo serviço civil.

O Departamento da Polícia entregava os seus crimes de morte à Divisão de Homicídios do Xerife. Para uma cidade violenta e agita­da, tinham tido muito poucos homicídios.

Duas mulheres com aspecto de fufas mataram um pintor de casas de El Monte a 30 de Março de 1953. O homem chamava-se Lincoln F. Eddy.

Eddy e Dorothea Johnson tinham estado todo o dia a beber em vários bares de El Monte. Passaram por casa de Eddy ao fim da tarde. Eddy obrigou Miss Johnson a fazer-lhe um broche. Miss Johnson foi para casa e discutiu o assunto com a sua roommate, Miss Viola Gale. As mulheres pegaram numa espingarda e dirigi­ram-se para casa de Eddy.

Mataram Lincoln Eddy. Dois rapazes que brincavam à apanhada na rua viram-nas entrar e sair. Foram presas na manhã seguinte. Foram julgadas e condenadas a longas penas de prisão.

No dia 17 de Março de 1956, Mr. Walter H. Depew entrou com o carro na parede da frente do Ray's Inn na Valley Boulevard.

Dois homens foram atropelados e mortos. A dianteira do carro arrancou um pedaço de 5,5 m da parede da frente e um pedaço de 6 m da parede de trás. Vários outros clientes do bar ficaram feridos.

Mr. Depew tinha estado a beber no Ray's Inn, onde a sua mulher era empregada de balcão. Mr. Depew discutira com o proprietário, que o expulsara algumas horas antes do incidente.

Mr. Depew foi preso imediatamente. Foi julgado e condenado a uma curta pena de prisão.

A Divisão de Homicídios do Xerife tomou conta de ambas as ocorrências. Os seus últimos três homicídios de EI Monte tinham sido resolvidos em tempo record.

O caso Jean Ellroy já se arrastava há mais tempo.

James Ellroy, O Meu Quarto Escuro, Editorial Notícias (tradução de Margarida Vale de Gato), p. 30