BRENDA. De Bâton Rouge.
Inscrita na agenda em Baltimore, Maryland, a meia centena de metros da igreja de Westminster, ao pé de onde está sepultado Edgar Allan Poe.
Brenda romântica:
«Porra, mais uma seca no bar e não me estreava hoje!»
Brenda de cabelo ruivo, ruivo pouco natural, atentas as tintas. O indicador direito castanho dos cigarrómetros. Mamas caídas, que se adivinhavam e eu depois tive tempo de analisar com a paixão do entomologista. Quarentas bem medidos, ou como ela metaforizou no minuto do chuveiro:
«Desculpa lá, pareço uma cafeteira toda rota.»
«Pareces nada.»
«Pareço. Precisava de dez pingos de solda para não dar barraca. Olha, deixa andar.»
Brenda ainda na fase da pré-asfixia pulmonar, à barra, para o artolas de mim:
«Pagas um bourbon?»
«Pago se a seguir a esse beberes outro.»
«Bonzinho!»
«É conforme.»
«Conforme a xandra, queres tu explicar.»
«Conforme a xandra, acertaste.»
«Lá gentil és.»
«Se sou.»
Brenda deita contas à vida, sagaz, tipo psicanalista da Escola Steker:
«Cinquentas. Não há descontos.»
«Vai bebendo o copo que já falamos.»
Agora dou-lhe que matutar. Pois se há cinco minutos a engatei com todos os matadores, beijinho na orelha, mãozorra no casqueiro, cheio de olés, e não pego na bisca! O seu latim estará condenado a perder-se? Não está, sou realmente bonzinho.
«Xandras de cinquentas não me interessam. Dou cens. Pago adiantado», digo e lanço o mindinho à carteira.
Brenda não cabe em si: de pasmo, de hipocrisia sulista, de chewing-gum na boca. Saliva abundantemente quando vê os cens. Deve recordar-se de uns lampejos felizes na adolescência, a escola dominical, o piquenique do liceu, e jura que chora, mas eu ponho-me a pau e estipulo condições:
«Se choras baixo para os trinta.»
Pronto, não chorou, exigindo de permeio um par luvas de pelica, comprei as luvas, um romance de sexo e tiros, comprei o romance, e morria por um hamster coitadinho na montra duma loja de bichos, o hamster não comprei porque cheirava mal e eu detesto essências exóticas.
O motel tinha uma tabuleta a dizer Voyage. Era como Brenda, pagava-se adiantado. O tipo da recepção acumulava com barman, e foi questionando sobre as nossas referências líquidas:
«Um manhattan? Para a senhora um bloody Mary? Não? Bourbon para o casal?»
Descansei-o:
«Bebemos água da companhia.»
Fingiu que gostara da graça e deu-me a chave do cortiço com uma toalha, um toalhete e um sabonete minúsculo de propaganda aos Orioles campeões de baseball.
Já no quarto Brenda, a xandra, bocejou:
«Apetecia-me era chonar.»
«Depois do xeque ao bispo», especifiquei para não comido.
«OK, OK», disse Brenda engolindo o bocejo. Mostra lá à menina esse furta-cores.»
Daí a minutos, despachado dos cens, procurei averiguar se Brenda fazia um saldo jeitoso para a segunda travessia no arame, e foi a vez de ela dominar o jogo com esta filosófica tirada:
«Vocês, pobrezinhos, sei lá quando voltam a pinocar. É o que tu quiseres, que eu gosto mais disto do que gosto de chili.»
Gostava sem reticências. Quando comparo a Arlete à Brenda não posso deixar de lamentar a inclinação, e a perseverança, do Mac. Quarentas à base de ginástica sueca, se me permitem o circunlóquio! O Poe é que sabia!
Brenda tomou duas chuveiradas, palmou o que era de palmar, cinzeiro, guardanapos de papel, Bíblia Gideon (que lhe repalmei), frasco de after-shave, resguardo «higienizado» da retrete, vestiu-se demoradamente, folheou o livro que eu andava na altura a ler, um Bukowski, às dez e meia da manhã (do dia seguinte, dólares bem gastos!) fez bye-bye e pespegou-me um baby no entredentes.
«Sempre vais para o Vietnam?», perguntou sem grande crença na minha história da véspera.
«Sempre», cuspi de mistura com o pastoso baby da cena anterior.
«E vais ganhar o céu, estou a ver», disse ela.
Enrolei-me no cobertor:
«Os anjinhos de Saigão têm os olhos em fenda.»
«Devem ter, devem!», abanou ela a cabeça. «Olha mas é os escarépios, não venhas contar que fui eu. Limpinha como o Santo Sepulcro!»
E ergueu dois dedos no sinal dos escuteiros.
Fernando Assis Pacheco, Walt, Livraria Bertrand, 1979, p. 45.