segunda-feira, abril 17, 2006

Semana Santa (2)

Semana Santa (1)

Martin Amis



Assim que voltámos para Espanha entrámos no torvelinho da escola - em Palma. Este estabelecimento, dirigido por um pedante teatral formado em Yorkshire, era simples e cosmopolita e, sobretudo, misto, corria as filhas de homens de negócios e diplomatas: raparigas maravilhosas, aterradoras e inconcebivelmente distantes. Fascista e católica, a Espanha mostrava não obstante um laxismo considerável para com os jovens e Philip e eu começávamos a apreciar as novas liberdades. A minha mãe acalmou-nos com motas todo-o-terreno que estampávamos umas oito vezes ao dia. Podíamos pedir cerveja nos cafés da praça depois da escola; e uma vez, com um amigo, tomámos uma aguardente cada um antes da escola (pelo que passaríamos a ser conhecidos, depois disso, por Los Tres Coñacs). Os cinemas espanhóis não reconheciam o sistema de limitações e nós fomos várias vezes ver um devidamente dobrado Psico. Havia uma rapariga de dezasseis anos que fre­quentemente apanhava connosco o comboio Soller-Palma. Dizendo que era uma experiência, ela beijou-me uma vez na boca com os lábios abertos. Eu pensei: isto é divinal, mas não devia ser para o Philip?

O comboio em que viajávamos tinha um sistema de limitações muito rigoroso. A carruagem de primeira classe era um salão móvel, uma alcova espessamente alcatifada com sofás, quadros e um lustre oscilante. A segunda classe era uma barbearia burguesa de couro, espelhos e estofos. Mas quando viajava sozinho eu escolhia sempre a madeira lisa da terceira, por uma razão que ainda hoje me leva a sentir algo hipócrita. Naquelas carruagens apinhadas, silenciosas, ordeiras havia mais oportunidades de se ver uma coisa que nunca se via no Norte protestante: mães a amamentar. E embora a nuca do bebé parecesse bastante bem, tenho que confessar que a parte de que eu gostava era o antes e o depois. Mais ninguém olhava; mais ninguém reparava. Num país em que as turistas de biquini eram presas à ponta das armas, havia ainda esta nudez virtuosa, invisível para todos menos para um furtivo jovem estrangeiro cujos pensamentos já não eram puros.

O meu irmão e eu estávamos a passar por todo o inferno de nos transformarmos em homens, mas tínhamos deixado de nos sentir profundamente infelizes. Numa entrevista posterior, ao falar desta época, Kingsley disse que em parte devia a sua sobrevivência ao perdão dos seus filhos. No entanto o perdão, no sentido da reaceitação total, nunca esteve em dúvida. Philip e eu sabíamos já que o nosso pai, embora já não estivesse connosco, embora já não casado com a nossa mãe, era ainda o nosso pai.

No fim da Primavera voltámos a Inglaterra. A partir daí foi só cidade, só Londres e só experiência.

Martin Amis, experiência, Teorema, p. 170 (tradução de Telma Costa)