quinta-feira, outubro 09, 2008

Don DeLillo


Acordo. O grito ritmado das pombas. Tenho de me concentrar para tomar consciência de onde me encontro. Levanta-te, desperta para o mundo, abre as persianas. No jardim da Escola Inglesa, o apicultor, com o seu capuz de protecção, dirige-se a passo firme para as colmeias artificiais. Tiro do escorredouro a caneca do café e ponho a água a ferver. O Monte Himeto é uma sombra branca, manhãs de Verão, uma extensão nebulosa que se prolonga até ao golfo. Hoje é dia de mercado e anda um homem a correr atrás de pêssegos pela rua íngreme por baixo dos restaurantes em socalco. Uma carrinha de caixa aberta chocou com a dele, atirando uma quantidade de pêssegos pela borda fora, e estes vêm a rolar aos ziguezagues pelo asfalto. O homem está a tentar detê-los, correndo quase rente ao chão e fazendo movimentos circulares com o braço. Debaixo das amoreiras está um rapaz a lavar à mangueirada o chão dos restaurantes. No local onde as carrinhas chocaram continua uma grande gesticulação entre o condutor de um veículo e um amigo do homem que corre todo curvado. Um invólucro de Nescafé, um donut deitado fora. Está a tocar o telefone, o primeiro número errado do dia. Pombas pousando nos topos calmos dos ciprestes. Aparecem os homens do café da esquina, para ver rolar os pêssegos. Inclinam-se cuidadosamente para a rua, avaliando a situação com um ar muito sério, dispostos a não despender muito mais esforço nem gestos. Abelhas domésticas enxameiam na claridade poirenta.
Dirijo-me para o escritório, onde faço outra chávena de café e aguardo que o telex se me dirija.

Don Delillo, Os Nomes, Relógio D'Água, p. 52, (tradução de Maria Manuel Ribeiro)