sábado, dezembro 10, 2005

Dylan



Uma vez em Nova Iorque, eu e a minha mulher fomos à Rainbow Room, no cimo do Rockefeller Center, para ver o Frank Sinatra Jr. que estava a cantar com uma orquestra inteira. Porquê ele e não alguém do circuito hip? Porque assim não havia complicações e perseguições... sentia alguma afinidade com ele - acho que éramos praticamente da mesma idade e que ele era meu contemporâneo. De qualquer modo, o Frank era um óptimo cantor. Eu nem queria saber se ele era tão bom ou não como o pai - ouvia-se muito bem, e gostava da sua grande e barulhenta banda. Mais tarde veio sentar-se à nossa mesa. Obviamente que o espantara que alguém como eu o tivesse ido ver, mas quando se apercebeu de que eu gostava genuinamente de melodias de grande espectáculo, pôs-se mais à vontade e relaxou, disse que gostava de al­gumas das minhas canções, «Blowin' in the Wind» e «Don't Think Twi­ce», perguntou-me em que tipo de sítios é que eu tocava (eu tinha-me retirado e vivia como um eremita mas não lhe disse isso). Falou sobre o movimento dos direitos cívicos, disse que o pai tinha sido um activista dos direitos cívicos e que tinha lutado sempre a favor dos desprotegidos - que o pai até se sentia um deles. O Frank Jr. parecia bastante esperto, nada de falso, encenado ou pomposo na sua pessoa. Havia legitimidade no que fazia, e sabia quem era. A conversa foi-se fazendo.

- Como é que achas que te sentirias - disse - se descobríssemos que os desprotegidos afinal eram uns filhos da puta?

- Não sei - respondi - provavelmente não muito bem.

Olhando pela parede de janelas tinha-se uma espectacular vista sobre a cidade. Do cimo de sessenta andares, o mundo era diferente.

Passado um bocado, comprei uma flor vermelha para a minha mulher, uma das mais belas criaturas do mundo das mulheres, levantámo-nos, despedimo-nos do Frank e saímos.

Bob Dylan, Crónicas - volume I, Ulisseia (trad. de Bárbara Pinto Coelho), p. 97.

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